O quarteirão da febre amarela / Pedro Nava.

  • Nava, Pedro.
Date:
1948
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Credit: O quarteirão da febre amarela / Pedro Nava. Source: Wellcome Collection.

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    inaparente, ainda despercebida — a própria febre amarela. A pestilência viera de S. Sal¬ vador com a barca Navarre, surta em águas da Corte desde 3 de dezembro. Foi de 27 para 28 desse dezembro de 1849 nue deram entrada na Santa Casa, vindos da estalagem da rua da Misericórdia, propriedade de um tal Frank, e da sua vizinhança, os dois primeiros doentes de febre amarela observados no Município Neutro. Êsses indivíduos foram vistos a 28 pelo Dr. Roberto Christiano Bertholdo Lallemant, nue logo suspeitou-os casos de tifo icteróide. A 10 de janeiro de 1850, a Academia Imperial de Medicina reunia-se para tomar co¬ nhecimento da grave hipótese diagnóstica daquele médico e para responder a uma consulta do Ministério do Império sóbre o coméço de epidemia que já estava sendo notório. A atitude tomada pela mais alta corporação científica do país foi de reserva e a comissão de seus membros designada para dar parecer sóbre o problema — comissão de que fazia parte o próprio Dr. Lallemant, ao lado dos seus confrades os doutores Feital, Pereira Rego, Bompani c Francisco Julio Xavier — declarava, dias depois e de público, que ainda era cêdo para uma sentença definitiva. Seria — dizia o relatório daqueles acadêmicos — ^‘menos scientifico e. regular que a commissão pudesse desde já, e sem novos factos e ulteriores indagações, assignar a classe da moléstia onde deve ser collocada a de que ora se occupa...” Apesar da evasiva da Academia, o Govêrno decidiu — e decidiu muito bem — isolar os doentes que aparecessem. Foi escolhido para servir de ‘^lazareto” o Convento de Santo António, na Ilha de Bom Jesus (3). O “Jornal do Commercio”, de 20 de janeiro de 1850, dá notícia dessa providência, ao mesmo tempo que tranquiliza a população. Dizia o tópico que os casos da “febre reinante” eram raros e de aspecto cada vez mais benigno. Estava acontecendo aqui o que já se processara na Bahia. A epidemia carioca comecou sorrateira, caso ali, caso além, depois outros, para se avolumar aos poucos, crescer geometricamente c, de repente, progredir ao quadrado, ao cubo — tomando casa por casa, cobrindo ruas inteiras e cada bairro da cidade, espalhando entre todos os moradores o terror, a consternação e o luto... Atingiu um total de 90 658 indivíduos e cobrou do Rio de Janeiro o preço sinistro de 4 160 defuntos! O auge da mortalidade foi observado a 15 de março de 1850, dia em que morreram mais de noventa pessoas, diz Pereira Rego. Cento e vinte, precisa Caminhoá, dando o número exato. A epidemia, desde o início de fevereiro, reconhecida oficialmente como sendo de febre amarela — tomando como ponto de partida a rua da Misericórdia, onde explodira no “Pubiic- House” de Frank, apareceu depois nas praias do Peixe e dos Mineiros e, mais ainda, pata os lados da Saúde. Formaram-se assim três focos principais donde partiu a ofensiva da pestilência em tôdas as direções da cidade. Do Foco da Misericórdia a epidemia ganhou as ruas de S. José, Assembléia, Guarda Velha e Ajuda. Na rua da Ajuda, a seta de contami¬ nação bifurca-se e toma, por um lado, o caminho da zona sul até a Lagôa Rodrigo de Freitas, passando pela Lapa e pelo Catete; e por outro lado o da Tijuca, seguindo pelas ruas dos harhonos, Riachuelo e paralelas. Conde d’Eu e Haddock Lobo. Do foco da Praia dos Mi¬ neiros e da Praia do Peixe, invadiu o centro da cidade, pelos logradouros que saem da rua Primeiro de Março, seguindo em direção dos baixios da Cidade Nova. Do foco da Prainha, caminhou para a zona norte, indo até a Inhaúma e até a Irajá. O “Public-House” de Frank é geralmente tomado como ponto de partida da epidemia, pelo grande número de amarelentos que ali foram verificados e porque dele era hóspede o sueco Anderson, um dos dois (4) primeiros doentes vistos a 28 de janeiro de 1850 nas en¬ fermarias da Santa Casa. O segundo foi um finlandês de nome Enquist que, além de ser frequentador da referida hospedaria — segundo escreveu o Dr. Lallemant — “...morava na ladeira do Castelo, justamente por detrás da casa de Frank, em uma altura de 20 a 30 pés”. Essa referência permite localizar perfeitamente o quarteirão onde nasceu a febre ama¬ rela e de onde ela investiu sóbre o Rio de Janeiro — quarteirão hoje quase completamente arrasado pelos desmontes, começados em setembro de 1920, e pelas demolições, ora efetuadas pela Prefeitura, para levar a cabo a urbanização da atualmente denominada Esplanada tio Castelo. Êsse quarteirão era circunscrito pela rua de S. José, pela ladeira do Castelo, pela rua do Cotovelo e pela rua da Misericórdia.