O quarteirão da febre amarela / Pedro Nava.

  • Nava, Pedro.
Date:
1948
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Credit: O quarteirão da febre amarela / Pedro Nava. Source: Wellcome Collection.

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    0 QUARTEIRÃO DA FEBRE AMARELA (Síntese histórica da febre amarela na América e no Brasil. A epidemia de 1850. Seu ponto de partida. A contaminação do Rio de Janeiro. “O quarteirão da febre amarela”. Tenta¬ tiva de localização do prédio onde se deu o primeiro caso. Os primeiros doentes de febre amarela. O historiador da febre amarela de 1850; o Dr. José Pereira Rego, Barão do Lavradio). “. . . entre essas vielas e êsses bêcos escuros, estreitos e imundos que o Demônio da Peste escolhera para lugar de sua natividade...” (Edgar Allan Poe: O REI PESTE). ISão é possível descobrir na história das doenças infecciosas nada que se pareça com a febre amarela antes da chegada de Cristovão Colombo à América. A interpretação dos que querem ver seu primeiro retrato na gastrite própria dos lugares quentes, que aparecia com febre intensa e vómitos biliosos — entidade referida por Hipócrates com o nome de “causus”; e a interpretação dos que pretendem considerar como sua primeira descrição as páginas de Tucídides relativas à Peste de Atenas — carecem, por completo, de base e de consistência. Admira ver a simpatia mostrada pela generalização simplista contida na segunda hipótese, por homens da sabedoria e da circunspeção de Coppland. Com o descobrimento do Novo Mundo e no próprio ano de 1492, começam a aparecer indicações de um estado infeccioso grave, cujas características podem ser superpostas à sinto¬ matologia da febre amarela. Colombo e seus companheiros viram-na lavrando em S. Do¬ mingos — verdadeiro berço da pestilência — logo depois de sua chegada. Com o início da colonização e com o incremento das comunicações entre as ilhas do arquipélago antilhano entre si e destas terras com as da costa oriental da America Se¬ tentrional e as do litoral norte da América Meridional, vemos a “Moléstia do País’* (1) ganhar terreno lentamente — sendo notada por cronistas, missionários, médicos e viajantes, a princípio e nos últimos anos do Século XV, apenas nas Grandes Antilhas, cuja invasão se completa no Século XVI, quando se verifica, em 1508, a presença do flagelo em Porto Rico. Depois nas Pequenas Antilhas e nas costas continentais — a venezuelana, atingida em 1589, e a mexicana, segundo uns em 1679 e segundo outros em 1725. Em 1695 a febre amarela devasta Filadélfia pela primeira vez. No mesmo ano uma esquadra inglêsa proveniente das Antilhas leva-a para Charlestown. Entre 1723 e 1730 dão-se suas primeiras manifestações européias em Lisboa, em Cadiz e na Minorca. Surge no Senegal em 1730 — parecendo que a África foi contaminada de fora, em vez de ter sido um dos focos primitivos da doença, como pretendem alguns historiadores. A análise isolada de cada surto observado nas ilhas do Golfo do México, do Mar das Antilhas e das costas norte e sul-americanas, deixa muito a desejar para quem quer chegar a um diagnóstico indubitável de febre amarela para todos êles. Mas se considerarmos con¬ juntamente a fisionomia dêstes surtos veremos que as características de sua expansão; que o seu gênero de invasão progressivo, sempre se processando ao lado do estabelecimento de vias freqiientes de comunicação; que o tipo de contaminação náutica que eram sua marca são genuinamente a prova de que, se todos não eram explosões de tifo americano, pelo menos a sua maioria tem de ser considerada como tal. Basta para argumentar neste sen¬ tido o estudo de sua cronologia comparado ao de sua geografia médica: vemos a doença a princípio acantonada em S. Domingos, ganhando terreno paulatinamente, palmo á palmct, a vóo de mosquito — e se instalando em cada ilha do arquipélago antilhano. Vemos depois a progressão geométrica com que se multiplicavam seus focos endemo-epidemicos. E vemos.